
Ai, a avó... Essa gostava de contar histórias. Os momentos juntos eram raros, raríssimos, mas preciosos, pois nessas histórias antigas se vislumbrava uma vida diferente, o resgate de parentes que nem se conhecia, a história de uma família. A avó contava, com olhos distantes, e voz de cantiga, a chegada do “papai” com a boneca-surpresa, de “celulóide”, impressionante tecnologia em tempos que para chegar à cidade ainda se usava canoa. Na voz da avó, a narrativa das histórias de lavadeiras que cantavam à beira do rio, e enlevada pelas memórias, a vó também cantava... As lembranças da convivência em casa, o início do namoro com o vô, a chegada dele na cidade, a primeira vez em uma moto, depois num Aero Willys, o pedido de casamento feito sem a presença dela, e na caixinha de memórias, um bilhete do noivo reafirmando a data do casamento. Amarelado, rasgado, manchado, mas ainda se podia ler.
No casamento, personagens ilustres da política da época, e a vó citava os nomes. “Tem foto, vó?”. Quase nenhuma... As filhas haviam “carregado” várias, pensei que assim fragmentavam-se as memórias...
“Vó, como era minha bisavó? Conta aí?” E com os olhos brilhantes, a vó descrevia a bisa, contava de seu jeito atrevido, dava nome e sobrenome de parentes distantes.
Nas histórias, a memória das irmãs todas, quantos filhos tiveram, quem morreu de quê, e em meio a tanta vida, pensei que não se podiam perder essas histórias. “Vó, escreve isso pra gente, assim vamos ter o que contar”. Mas a vó relutava, dizia-se velha para escrever isso. “Vó, então grava pra gente, vai ficar ainda mais bonito”.
Pensava na vó, sozinha, afastada de quase todos. Pensava, para se confortar, que aos menos a vó tinha as memórias de uma vida inteira, e ainda as que estavam por vir. E quer viver para ver os trinetos.
TSM, 26.06.2008