Meu único compromisso é o de manter em dia a agenda de futilidades. Cansei de procurar por isso que não aparece de jeito nenhum, chego a pensar se existirá. Já ouvi que, se pedir, receberei. Pedi, pedi, pedi de novo: N A D A. E mais, acho que em casos como esse nem se precisava pedir, mas vá lá, sigamos pedindo.
E sabe o pior: nem é desespero. É só a constatação de que tudo parece estar parado, um lago de tranqüilas águas, e eu aqui, um turbilhão. Não tem equilíbrio que se segure. Estão ou não acontecendo? Porque a impressão, agora, é que tudo está no mesmo lugar de sempre. Quase: menos eu.
TSM, 17.07.2008
Revisitando Caio Fernando Abreu, achei 2 contos que amei reler: “Pequeno Monstro” e “Os Dragões não conhecem o paraíso” (in “Os Dragões não conhecem o paraíso”). Abaixo, um trecho do segundo texto:
“Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada”
E sabe o pior: nem é desespero. É só a constatação de que tudo parece estar parado, um lago de tranqüilas águas, e eu aqui, um turbilhão. Não tem equilíbrio que se segure. Estão ou não acontecendo? Porque a impressão, agora, é que tudo está no mesmo lugar de sempre. Quase: menos eu.
TSM, 17.07.2008
Revisitando Caio Fernando Abreu, achei 2 contos que amei reler: “Pequeno Monstro” e “Os Dragões não conhecem o paraíso” (in “Os Dragões não conhecem o paraíso”). Abaixo, um trecho do segundo texto:
“Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce, que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada”
E um trecho de um conto sem título, in Caio 3D, O Essencial de Década de 1980
"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo como " estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicídio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituímos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência. Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na lagartixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça."
Caio Fernando Abreu
3 comentários:
Agora vc já tem estadia fixa na pousada, e quanto as orações, vc não está só nas mudanças. Bjs
Obrigada pelo "abrigo". Bjão
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