Não era um avô convencional. Aliás, hoje existe família convencional? A começar pelo fato de não viver na mesma casa que a avó. Eram separados, e suas casas ficavam a menos de 100 metros uma da outra, e assim levavam a vida quase que do mesmo jeito. Ele aparecia para o café da manhã, almoço e janta (que é como se diz no interior), infalível e diariamente. Os cafés ao longo do dia, e eram muitos, também eram todos na casa dela. E ela, a vó, implicava com ele, implicava com a “bagunça dessas meninas”, implicava com tudo.
Dele, a menina lembra da Brasília azul, e muito antes dessa, havia também os jipes, um azul, outro verde, e todos os primos (uns 5?) mais a família quase toda enfurnada neles, cortando sertão para chegar na roça. Saudade da roça! Mas essa fica pra outra vez.
O vô ficava na porta da casa, e isso era praticamente como estar na rua, visto que as casas do interior são assim, sem portão, sem jardim, e as janelas e portas se abrem diretamente para as calçadas. Ao fundo, e bem alto, tocavam uns discos de tango ou bolero, ela não sabia dizer, era uma criança. Mas as músicas eram melosas, cantadas quase sempre por alguém com uma voz grossa, e as letras de amores. Ela se lembra, como hoje, dele parado na porta, com as mãos no bolso, sempre arrumado, fazia chuva ou sol, estava ele com a calça e a camisa social. E nos pés, nada de sapatos (será que era dele que havia “herdado” a mania?). No bolso de trás da calça, um pente antigo, desses que não se acha mais, com uma alça onde se punha a mão e já saía com o danado no ponto de uso: passava o pente na cabeça, ajeitando o cabelo quase raspado, sempre vaidoso o avô.
Fumava cigarro de palha, e gastava tempo cortando o fumo de rolo com o canivete, picotando até ficar bem esfarinhado, aí pegava a palha, abria, jogava o fumo, enrolava a palhinha e passava a língua para selar. O ritual terminava com o cigarro sendo aceso, com fósforo é claro, e as batidinhas com a caixa (para manter a brasa) até o fim das tragadas. A cena era nítida na memória da menina.
Ela não teve o privilégio da convivência diária com o avô, eram netos criados na cidade grande. Só se viam nas férias, quando ele recebia as meninas sempre com um comentário brincalhão, “Uai, quem são vocês que eu não conheço mais?”, se referindo ao fato delas terem crescido, e por aí ia.
O tempo passou, e cumprindo sua sina?, o avô se foi. A morte dele, é claro, deixou a neta triste. Mesmo assim, a menina nunca conseguiu recordar-se do avô com tristeza, e apesar de tantos anos de ausência, ela sempre o lembra com alegria imensa, ainda vê nele uma figura protetora, brincalhona. Ele foi e sempre será o avô das gracinhas, das risadas abafadas enquanto a avó implicava, o avô que trazia picolé de creme de ovos do bar, o avô que esperava por elas na porta quando chegavam as férias, sempre com um sorriso no rosto. Que chamava de “cu d’água” as meninas quando faziam xixi na cama. Ele era aquele que, quando a vó implicava e xingava porque os netos tinham comido todo o pão e biscoito da mesa, na maior falta de educação, dizia alto: “Deixa os meninos, Calú”.