quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Eu sou a falta

O abandono, Camille Claudel


Uma madrugada. Princípio ainda. Eu me sentia muito estranho. Não era triste, triste. Mas algo assim, melancólico. Talvez esse sentimento incomode você, dito assim. Fazer o quê? Era como eu me sentia.
Podia fumar, mas “parei” há mais de um mês. Andar, a essa hora, em cidade grande, e sozinho, não é coisa recomendável. Beber? Metade da graça era o cigarro de acompanhante (volte ao início). Então restava contar pra você dessa melancolia triste de início de madrugada, e desafogar um pouco, quem sabe, esse coração.
Nem era melodrama: com amor, com casa, com família, sem mesmo era trabalho, mas que isso era pouco diante dos problemas de alguns. O olho, o coração, o corpo todo é assim: só sabe do que não tem. E o não ter grita, impõe sua não presença em todos os cantos: pensamentos, sentimentos, conversas, solilóquios. Não ter só sabe existir grande, exagerado, não ter é uma perua recém-saída das compras na 25 de março, e veste laranja, verde limão, usa saldo, cabelão, lantejoulas, batom vermelho, tudo ao mesmo tempo. Não tem como não ver. O não ter não sabe ser leve, não pisa macio, finca sim o salto no chão que pisa, e faz barulho.
Uma madrugada assim, idiota. Nem vontade de chorar. Nada consola, não há o que consolar. E você, conta aí: o que te dói, o que te consola? Qual é o seu não ter?


(Para Caio F., depois de ler “Pálpebras de Neblina”)

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